Michel de Montaigne defendia que "ninguém morre antes da hora".
Albert Camus afirmava que "só a morte desperta os nossos sentimentos".
Ambos disseram verdades.
Pena que a morte tenha perdido o respeito que nos tinha. Se antes se morria de velhice e com muitas histórias na pele, hoje morre-se quando menos espera e quando a validade é ainda muita, ou pelo menos parecia.
A leucemia abraçou uma amiga e a filha de um amigo. Pessoas como eu, novas e com toda a vida pela frente. Por muito que se procure a explicação nunca vai aparecer. Não existe. Mas dói.
Uma amiga. Menina que cresceu comigo. Fez parte do meu dia a dia durante anos. Colega de carteira e de brincadeira. Alguém que tinha uma vida de sucessos pela frente. Companhia diária que só a universidade separou. Licenciou-se, começou a trabalhar e "desapareceu". Passados alguns meses voltei a falar-lhe virtualmente.
"Então, tudo bem?! O que é feito de ti?"
"Não soubeste Cris?!"
"Não soube o quê?"
"Eu estive internada desde Agosto"
"Desde Agosto??! Porra, estamos em Janeiro!! O que aconteceu?"
"Tenho leucemia."
Silêncio. As teclas não conseguem montar as palavras da resposta.
"Leucemia???! Como é que isso aconteceu??"
"Não sei! Tinha uma dor na anca, fui ao médico, fiz exames, mandaram-me praticar natação, receitaram-me muita coisa e quando me preparava para ir de férias telefonaram-me do hospital para lá ir. Quando lá cheguei o médico disse-me que tinha que ser internada imediatamente porque tinha leucemia e lá fiquei durante meio ano!"
"Mas... Fizeste quimio? Tiveste dores? Como estás? Já estás curada? E agora?"
"Calma Cris! Sim, fiz quimio. Tive dores horriveis. Estou bem melhor, mas não estou curada, preciso de um transplante de medula!"
"Posso ser dador. Se precisares liga-me!"
"Obrigada."
"Olha, dá-me o teu número. Perdi-o. Desculpa" Pensamento: que merda, eu tinha o número dela. Isto de lhe pedir o número foi muito mau.
"123456789"
"Entrarei em contacto contigo para ir sabendo de ti. Mas e agora estás em casa? Estás melhor?"
"Sim, estou em casa. Estou melhor um bocadinho, mas estou muito fraca, peso 42 Kg!"
"Meu Deus..."
"Vou ter que sair, depois falamos. Obrigada pela força. Beijinhos"
"Vai lá. Não agradeças, sou teu amigo. Beijinhos."
Esta conversa está gravada na memória pessoal, não na do computador. Nunca a esquecerei.
Um senhor, da idade do meu pai. Conhece-me de sempre. Meu amigo. Homem da bola. Acompanhou-me em muitos pontapés. Puxou muitas vezes as orelhas da minha rebeldia. Passeio diário pela net e dou de caras com o nome dele. Pedido de sangue para a filha. Tem leucemia. Porra!! Menina da minha colheita. Não é justo.
"Estou! Pai?!"
"Sim, diz."
"Olha, vi uma noticia na internet..."
"Sobre quê?"
"A filha do Sr. A. tem leucemia. Estão a pedir sangue."
"A sério?! Nossa Senhora...é só desgraças!"
Silêncio. Daqueles que dizem tudo.
"Até logo pai. Um beijo."
"Xau filho. Um beijo."
Cunhada. Pessoa de quem gosto muito. Amiga. Brincalhona. Ontem visitou-me porque veio ver o avô que estava num hospital aqui perto e aproveitou a ocasião para me dar um olá.
"Então?! O teu avô como está?"
"Lá está...coitado. Vim vê-lo."
"É uma chatice."
"Pois é, mas pronto..."
"Pode ser que melhore e volte para casa."
"Não sei, vai ser dificil."
"Tem calma, tudo vai correr bem!"
Hoje.
"Cris?"
"Eu!"
"Ontem fui ver o meu avô..."
"Eu sei."
"E ele morreu hoje às 8h da manhã."
"Coitado do homem. Os meus sentimentos. Nem sei que te diga."
Albert Camus afirmava que "só a morte desperta os nossos sentimentos".
Ambos disseram verdades.
Pena que a morte tenha perdido o respeito que nos tinha. Se antes se morria de velhice e com muitas histórias na pele, hoje morre-se quando menos espera e quando a validade é ainda muita, ou pelo menos parecia.
A leucemia abraçou uma amiga e a filha de um amigo. Pessoas como eu, novas e com toda a vida pela frente. Por muito que se procure a explicação nunca vai aparecer. Não existe. Mas dói.
Uma amiga. Menina que cresceu comigo. Fez parte do meu dia a dia durante anos. Colega de carteira e de brincadeira. Alguém que tinha uma vida de sucessos pela frente. Companhia diária que só a universidade separou. Licenciou-se, começou a trabalhar e "desapareceu". Passados alguns meses voltei a falar-lhe virtualmente.
"Então, tudo bem?! O que é feito de ti?"
"Não soubeste Cris?!"
"Não soube o quê?"
"Eu estive internada desde Agosto"
"Desde Agosto??! Porra, estamos em Janeiro!! O que aconteceu?"
"Tenho leucemia."
Silêncio. As teclas não conseguem montar as palavras da resposta.
"Leucemia???! Como é que isso aconteceu??"
"Não sei! Tinha uma dor na anca, fui ao médico, fiz exames, mandaram-me praticar natação, receitaram-me muita coisa e quando me preparava para ir de férias telefonaram-me do hospital para lá ir. Quando lá cheguei o médico disse-me que tinha que ser internada imediatamente porque tinha leucemia e lá fiquei durante meio ano!"
"Mas... Fizeste quimio? Tiveste dores? Como estás? Já estás curada? E agora?"
"Calma Cris! Sim, fiz quimio. Tive dores horriveis. Estou bem melhor, mas não estou curada, preciso de um transplante de medula!"
"Posso ser dador. Se precisares liga-me!"
"Obrigada."
"Olha, dá-me o teu número. Perdi-o. Desculpa" Pensamento: que merda, eu tinha o número dela. Isto de lhe pedir o número foi muito mau.
"123456789"
"Entrarei em contacto contigo para ir sabendo de ti. Mas e agora estás em casa? Estás melhor?"
"Sim, estou em casa. Estou melhor um bocadinho, mas estou muito fraca, peso 42 Kg!"
"Meu Deus..."
"Vou ter que sair, depois falamos. Obrigada pela força. Beijinhos"
"Vai lá. Não agradeças, sou teu amigo. Beijinhos."
Esta conversa está gravada na memória pessoal, não na do computador. Nunca a esquecerei.
Um senhor, da idade do meu pai. Conhece-me de sempre. Meu amigo. Homem da bola. Acompanhou-me em muitos pontapés. Puxou muitas vezes as orelhas da minha rebeldia. Passeio diário pela net e dou de caras com o nome dele. Pedido de sangue para a filha. Tem leucemia. Porra!! Menina da minha colheita. Não é justo.
"Estou! Pai?!"
"Sim, diz."
"Olha, vi uma noticia na internet..."
"Sobre quê?"
"A filha do Sr. A. tem leucemia. Estão a pedir sangue."
"A sério?! Nossa Senhora...é só desgraças!"
Silêncio. Daqueles que dizem tudo.
"Até logo pai. Um beijo."
"Xau filho. Um beijo."
Cunhada. Pessoa de quem gosto muito. Amiga. Brincalhona. Ontem visitou-me porque veio ver o avô que estava num hospital aqui perto e aproveitou a ocasião para me dar um olá.
"Então?! O teu avô como está?"
"Lá está...coitado. Vim vê-lo."
"É uma chatice."
"Pois é, mas pronto..."
"Pode ser que melhore e volte para casa."
"Não sei, vai ser dificil."
"Tem calma, tudo vai correr bem!"
Hoje.
"Cris?"
"Eu!"
"Ontem fui ver o meu avô..."
"Eu sei."
"E ele morreu hoje às 8h da manhã."
"Coitado do homem. Os meus sentimentos. Nem sei que te diga."
Mesmo sem conhecer as pessoas é impossível ficar indiferente. Pode acontecer a qualquer um de um momento para o outros. Resta-me desejar as melhoras e força para todos.
ResponderEliminarUm abraço.
Cristiano eu vou-te falar de outra realidade, dos que lhe sobrevivem. Dos que se assustam, quase que morrem pelo medo, que aprendem a sorrir pra lá das forças.
ResponderEliminarE se a máxima "o que não nos mata torna-nos mais forte" é pra ser aplicada estas são boas alturas!!! Porque nada ajuda tanto como pensar sempre que o vamos ultrapassar... Aprendemos a viver de outra maneira, melhor diria. A verdade é que podemos ir na estrada e perder a vida sem aviso, ou ser avisados sofrer, lutar e sobreviver. Ele pode reaparecer, mas não o pode em todos?? Depois de anos a fazer voluntariado em oncologia pediatrica ele também veio ter comigo mas nunca achei que me fosse vencer. Mas é duro eu sei.
Beijinhos
cunhado e compadre alem disso tenho-te como um dos meus melhores amigos, estas sempre presente nos bons e maus momentos queria-te agradecer por tudo isto..muito obrigado
ResponderEliminarMP.Cristiano sou angolana e tenho uma historia parecida.não percas a fé. Nesta vida Deus dá o frio conforme o cobertor, ele não abandona. Nunca chores que ele não gosta.
ResponderEliminarMiguel, é impossivel, sem dúvida, ficar indiferente e pode acontecer quando menos se espera. Obrigado pela força.
ResponderEliminarUm abraço.
Ana, só disseste verdades, mas nem sempre temos clarividência suficiente para raciocinar assim, mas é o correcto.
ResponderEliminarVoluntariado? Boa!
Beijinhos.
Cunhada, não tens que agradecer, só tens o que mereces...a minha amizade.
ResponderEliminarBeijinho.
MP, a fé nem sempre é fácil de manter, mas acredita que vivo com ela agarrada a mim.
ResponderEliminarObrigado pelo visita, volta sempre.
Cumprimentos para Angola.