Fui praxado e praxei.
Enquanto caloiro admito que a praxe mexia com o meu sistema nervoso. Lembro-me da ansiedade das primeiras horas na universidade, do olhar para o chão sempre que passavam os "doutores", do tentar disfarçar o ar de novato, de dar voltas mais longas para evitar aqueles que estavam trajados. O normal. Fugi até chegar a minha hora. Lembro-me como se fosse hoje. Eram quatro ou cinco "doutores" e "doutoras". Eu estava encostado a uma parede, a ler um jornal, à espera da minha vez para entrar numa secretaria que estava sobrelotada. Perguntaram-me se era caloiro e eu disse que sim, em seguida um deles disse-me para eu lhe dar o meu jornal que caloiro não lia jornais e outro disse-me que precisava de ir à secretaria, mas como estava muita gente eu ia ter que lhe dar a minha senha e ficar com a dele, com o dobro da minha espera. Recusei ambas as ordens e expliquei o porquê. O jornal tinha sido comprado por mim e não o ia dar a ninguém, podia emprestá-lo, mas dá-lo não; e a senha da secretaria já tinha muito tempo de espera e eu não ia entregá-la. Depois daquela troca de palavras levaram-me a passar horários para umas folhas, os horarios deles, e eu passei-os, sem qualquer problema. Em seguida fomos todos almoçar ao McDonalds's das Antas, tenho isto bem presente, e eu fui com eles no carro já não sei de quem. Durante o almoço explicaram-me as regras da praxe. Tudo de forma muito tranquila.
Nos dias seguintes fui praxado como tantos outros caloiros, sempre dentro das paredes da universidade. Essa era, e acho que ainda é, uma regra da casa. Fora daquele perímetro as praxes não podiam acontecer. Essa norma dava-me tranquilidade, sabia que de alguma maneira o que ali passava era vigiado e, de certa forma, controlado.
A minha praxe foi pacifica, pelo menos comparada ao muito que já vi e ouvi. Eram coisas banais. Uns ovos na cabeça, uns baldes de água, um rastejar, umas idas ao bar para ir buscar isto e aquilo, estar de quatro, rebolar, flexões, abdominais e outras coisas dentro deste género. Lembro-me de recusar andar de joelhos em cima de gravilha. Isso recusei e os motivos nem preciso de explicar. São óbvios.
O dia mais assustador foi culpa do meu sono. Adormeci e quando cheguei à universidade os caloiros e os doutores tinham ido passear, ver as caves de vinho do Porto, penso eu. Para me receber só lá estavam os veteranos, os do conselho de praxe, os que realmente assustavam. Pegaram em mim e levaram-me para uma sala escura, toda preta. Era o canto deles, onde reuniam. Mandaram-me sentar no chão e massacraram-me, ou tentaram, com uma praxe psicológica. Por fim, disseram-me que eu ia ter que beber uma garrafa de vinho do Porto e eu perguntei se tinham copos ou se era mesmo pela garrafa. Eles riram-se e disseram que já tinham visto tudo, que eu podia ir embora e eu lá fui, até casa.
No dia do baptismo, quando chegou a minha vez, eu não tinha madrinha e isso deu algum barulho, mas eu ignorei. Não conhecia ninguém, nem me apeteceu perder tempo a escolher uma madrinha. A verdade é esta. Arranjaram-me eles uma, que por sinal nunca mais vi, mas resolveu o problema e deu para concluir a cerimónia. Cortaram-me um bocado de cabelo, que à data era comprido, molharam-me a cabeça com um balde de água e assinaram-me o diploma de caloiro. Ponto final. Acabaram as praxes enquanto caloiro.
Passado o tempo previso eu cheguei a "doutor". Era a hora de ser eu praxar.
Praxei durante uma tarde, ou uma hora ou duas, vá. Cheguei trajado e pronto para mandar naqueles que iniciavam a sua vida académica. A verdade é que não achei piada à coisa. Acabei no bar da universidade com dois caloiros de uma terra vizinha da minha, em amena cavaqueira. Salvei-os da praxe, pelo menos naquele dia, e vim embora. Depois disto nunca mais vesti o traje com o intuito de praxar.
Esta é a minha história enquanto estudante universitário que esteve dos dois lados da barricada. Sinceramente a praxe nunca me entusiasmou. Nem como caloiro, nem como "doutor".
Não sou contra, nem sou a favor. Respeito quem gosta da mesma forma que respeito quem não gosta. Entendo que ninguém é obrigado a nada, como é óbvio. Não olho para os que são anti-praxe como alguém que é diferente. São opções, nada mais. Nenhuma das opções tem que ser extremada.
Não vejo este ritual de iniciação da vida académica como algo essencial a um futuro saudável enquanto estudante universitário. É bom, faz-nos conhecer gente, podemos fazer amigos, mas não deixamos de conhecer gente e fazer amigos se não formos praxados. A convivência diária numa sala de aulas, só por si, acaba por trazer de uma forma natural amizades e muitas dessas ficam para a vida.
A praxe do Meco, que tanta celeuma tem levantado, foi uma parvoíce, mas não podemos generalizar. Não me parece que a estupidez de sete pessoas, sim porque ninguém ali agiu de forma consciente, possa ser fundamento para o fim de todas as praxes a nível nacional. Os acidentes acontecem, os finais trágicos existem e os erros muitas vezes pagam-se caro, não só na praxe, mas na vida em geral.
A verdade é que o que aconteceu naquela praia foi mau demais. Perderam-se vidas e destruiram-se famílias. Quem cá ficou tem que falar, mesmo que traumatizado. Sim porque não acredito, nem poderia ser, que aquele estudante, o Dux, não tenha ficado traumatizado. Mil defeitos que ele tenha, não deixa de ter vinte e três anos, de ser um jovem e, acima de tudo, um ser humano. O que está feito, infelizmente neste caso, está feito, agora é hora de assumir, de dar o peito às balas, e pagar, se for caso disso, pelos seus actos, mas nunca, em momento algum, pensem que os outros estavam ali obrigados. Não acredito nisso. Desculpem a sinceridade.
Subscrevo o facto de não estarem obrigados!!! Apoiado...
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