quarta-feira, 19 de março de 2014

Pai,

tu sabes que eu te amo, não sabes? Eu não to digo, mas tu sabes, não sabes? Não sou de falar, sou de escrever. Desculpa. Nunca to disse olhos nos olhos, em tom que permitisse que tu ouvisses. É verdade, nunca to disse. Já to escrevi vezes sem conta e repito: eu amo-te, pai. Em silêncio já gritei que te amo. Gritei com tanta força que quase fiquei sem voz. Em silêncio, pai. Em silêncio. Devia dizer-to todos os dias. De manhã, logo que te vejo, em vez do bom dia eu devia dizer que te amo. À noite, antes de me deitar, em vez do até amanhã eu devia dizer que te amo. E seriam poucas as vezes que o diria. Seriam bem menos que as que mereces. Não to digo, mas sinto, pai. Acredita que o sinto. Só Deus sabe o quanto te amo. Nem eu sei. Só Deus.
Há trinta anos que cuidas de mim, de manhã à noite, sem descansos, nem desculpas. Nunca estiveste ausente, nem mesmo quando eu estava longe. Nunca me largaste a mão, nem mesmo quando eu queria tudo menos ouvir os teus conselhos e os teus ensinamentos. Não me abandonaste, nem quando eu pensava que a vida eram dois dias, ou melhor, duas noites. Houve um tempo em que fui egoísta, em que me esqueci de ti, da mãe e de mim. Acima de tudo de vós. Nesse tempo eu era só eu. Eu vivia em função das minhas vontades parvas, convencido de que já era um homem, com a certeza de que quem bebe copos até de manhã e dorme até a lua voltar é um adulto, um ser independente. Desculpa, pai. Eu era tão pequeno, não de corpo, mas de mente. Depois, e contigo, sempre contigo, fui homem a valer, dediquei-me de corpo e alma à vida, sim porque o que eu tinha não era vida, e venci. Hoje digo-to, nunca no to disse, a minha alegria não foi vencer, não foi atingir aquilo a que me propus, não foi mostrar ao mundo que eu era capaz, foi poder dizer-te que eu consegui. A ti e à mãe. Era um objectivo meu, mas sei que também era teu. Era muito teu. Era nosso, só nosso. O dia da consagração, por entre paredes que foram testemunhas do nosso sofrer, foi teu, de mão dada com a mãe. Foste buscar aquilo que era teu por direito. O teu filho concluiu a licenciatura, mas o canudo era teu, era vosso. Era um sonho teu, mas hoje, haja o que o houver, é uma realidade tua. Tens um filho licenciado em Direito, o curso dos teus sonhos e que, por coincidência da vida, também é dos meus. É um orgulho enorme para mim ter o que tenho hoje, seja o curso, seja a pós graduação, sejam as formações, seja o trabalho, sejam os meus projectos pessoais, mas o meu maior orgulho, o que realmente me enche o peito, é o poder dizer-te: pai, eu consegui!
Agradeço-te os ensinamentos, o pintar da vida tal como ela é, os conselhos, o alinhar da direcção sempre que me vês a fugir para a berma. Agradeço-te de coração, mesmo sem to dizer. Agradeço-te a preocupação que tens por mim e por todos os que eu amo, sim porque tu não te ficas por mim, tu vais mais além, tu tocas nos meus limites, tu queres o meu bem e o bem dos que me querem bem. Tu sabes que eu sou estou feliz se os que amo estiverem como querem. Sou como tu. Eu sei, tu sabes, nós sabemos que somos iguais.
A vida é feita de etapas, de lutas diárias e de decisões, mas eu, esteja onde estiver, nunca viverei nenhuma das coisas da vida sem ti. Perto ou longe. Não viverei, nem o poderia fazer, afinal de contas, pai, tu és o meu melhor amigo, és a minha base, és o meu suporte, és um irmão. És tudo, pai. E distância não é desculpa, distância é um percalço da vida, é uma barreira que pode facilmente ser ultrapassada e, como eu costumo dizer, a distância só enfraquece os laços de quem não ama de verdade, porque quem ama com o coração todo ama ainda mais quando está longe.
Um dia, pai, vou sentar-te um filho meu no teu colo e vou pedir-te que lhe ensines tudo o que me ensinaste a mim. Não mudes nada. Quero que seja igual. Quero que ele seja feliz, tão feliz como eu fui, nos teus braços, de mão dada contigo, ao teu lado e longe de ti.
Sabes, pai, podes até pensar que um dia te vou deixar, que vou ter uma família minha e uma casa minha, que um dia vou ter uma vida da qual tu não irás fazer parte, mas peço-te, por tudo o que de mais sagrado há: não o faças, pai. Esse dia nunca vai chegar. Tu vais ser sempre a minha família, a minha casa e a minha vida. Sempre, sempre. Prometo.
Deixo-te um beijo, um abraço, um amo-te, um olhar que lacrimeja de emoção e um filho que hoje é um homem, mas no teu e no meu coração será sempre um menino. O teu menino!

1 comentário: