terça-feira, 27 de maio de 2008

As páginas que se viram...

A vida é um livro escrito por cada um de nós, mas só os mais próximos o conseguem ler.
Há páginas que deixam saudades.
Eu, pessoalmente, tenho saudades do passado. Muitas.
Sou nostálgico por natureza e há coisas que eu gostava de voltar a viver.
Não as vou viver, eu sei, mas posso recordá-las.
Muitas são as vezes em que perco horas a olhar para fotos, a recordar momentos.
Fecho os olhos e viajo para o passado, quando eu era apenas um menino.
Um menino com muito vicio do futebol.
Nesse aspecto ainda hoje sou muito menino.
Com apenas 8 anos participei num campo de férias, onde se realizavam torneios de futebol, foi aí que fui convidado para jogar na Escola Diogo Cão.
Orgulhoso, comuniquei a noticia aos meus pais, que me apoiaram, como sempre.
Lá foi o menino de Constantim até Vila Real, mais propriamente para o Campo do Calvário.
Até tremia de nervoso no primeiro treino.
Eu com 8 anos e quase todos eles com 11/12 anos.
Não havia Escolinhas como hoje.
Dos 8 aos 12 eramos infantis e ponto final.
Campo de 11 e não de 7, como se verifica na actualidade.
O facto de ter muita gente da minha aldeia no clube ajudava.
Mais velhos, todos amigos, foi um ano para mais tarde recordar.
Foi o último ano de Simão Sabrosa no clube.
Vinhamos todos na carrinha do clube, eram viagens curtas, mas fantásticas. Rir e rir e rir.
Foi nesse ano que começaram as minhas aventuras em França, nos miticos Torneios de Grasse.
Uma semana das férias da Páscoa estava sempre reservada.
Que saudades desses tempos.
As viagens mais do que longas, horas e horas dentro de um autocarro.
A passar o tempo como se podia, geralmente a aparvalhar, como é próprio da idade.
Há coisas que não esqueço nunca mais.
A primeira viagem. 8 aninhos e aí vai ele para o "outro lado do mundo".
O medo, a ansiedade, as saudades, mas acima de tudo a ansiedade de ver o que era aquilo, de jogar futebol num país estrangeiro, com jogadores de vários países europeus.
Foi complicado partir sem os meus pais para um país tão distante.
Acreditem que foi complicado. Foi há 16 anos. Imaginem.
Paravamos nas bombas de serviço e íamos sempre comprar qualquer coisa. Não falhava.
Nessa altura tínhamos poder de compra, graças ao dinheiro que os pais nos davam para a viagem.
Fui 5 anos consecutivos a França. Dos 8 aos 13. Sempre criança felicissima.
3 anos no Torneio de Grasse e 2 no Torneio de Toulouse.
O de Grasse era muito bom, mas o de Toulouse era qualquer coisa.
Em Toulouse havia equipas como Marselha, Borussia de Dortmund, Barcelona, entre outras.
Era fantástico.
Nestes 5 anos vivi coisas que não vou esquecer nunca.
Coisas que ficam:
As viagens
Os hóteis.
As noites em branco preenchidas com muita palhaçada.
As batatas fritas com ketchup (em Grasse).
As fotos que nos tiravam durante os jogos e depois afixavam para vender.
As cidades que conheci: Grasse, Mónaco, Marselha, Toulouse, San Sebastian, entre outras.
Os estádios que visitamos: Mónaco, Marselha e Real Sociedade.
As entrevistas para a Rádio que os meus pais ouviam cá.
Os telefonemas feitos das cabines telefónicas e cornometrados ao segundo ( o cartão tinha que dar para todos).
Ouvir o hino nacional antes dos jogos. Arrepiante.
E depois há sempre episódios que não se podem partilhar, que ficam só entre quem lá esteve.
Eu admito, era puto, mas era reguila, não era fácil controlar-me.
Sempre que alguma coisa acontecia eu era o principal suspeito.
Havia sempre alguém que acordava com pasta dos dentes no cabelo, com açúcar na cama, entre outras coisas mais.
Pronto eu assumo, eu não dormia de noite para poder apanhar o pessoal a dormir e só assim podia dar asas à minha imaginação. Sacrificios que têm que ser feitos.
Em 5 anos que fui para estes torneios nunca consegui ficar num quarto só com colegas.
Lembro-me perfeitamente quando faziam a distribuição de quartos. Cada um de nós a escolher com quem queria ficar e sempre que eu abria a boca para dizer com quem queria ficar, tinha como resposta um " Cristiano, tu ficas no quarto do treinador. Era bonito dormires sem um adulto por perto."
Claro que conseguia fugir de noite e claro que conseguia pregar partidas ao treinador ou ao director que dormia no meu quarto, mas é sempre complicado alguém com o meu talento para a coisa ter tanta restrição.
Se me tivessem dado liberdade hoje teriam muito mais para contar. Mas pronto, fiz o que pude.
Isto já vai longo, por isso vou finalizar com o resumo do meu último torneio.
Lembro-me que era capitão e fui expulso logo aos 7 minutos de jogo por uma entrada mais durinha (coisas da bola e...eu não gosto muito de franceses).
Pensei que o Presidente me ia matar quando viu o cartão vermelho no ar. Momento eterno.
Esse ano as noites no hotel foram o fim do mundo.
Eu consegui não dormir (quase todas as noites) e pregar partidas a toda a gente, incluindo directores e treinadores. Adormeci na última noite por volta das 6 da manhã, não aguentei mais.
Resultado: acordei deitado no corredor do hotel coberto com chocolate derretido. Culpados: directores e treinadores.
No regresso a Portugal lembro-me de vir sempre ao lado do motorista para não adormecer e recordo-me perfeitamente de ele me perguntar: "oh miudo, tu não dormes nunca?" e eu respondia-lhe: "não posso, se dormir eles apanham-me e assim dormem eles e eu aperto-lhes os cordões das sapatilhas aos bancos do autocarro" ... o homem desmanchava-se a rir quando eles começavam a acordar e ouvia-se: "oh Cris já chega,não?" ou "Cris quando adormeceres estás feito!" e pronto lá tinha que vir eu ao lado do motorista para não ser apanhado.
Enfim, isto tudo será eterno, eterno mesmo e recordado sempre com um saudosismo enorme.
Já passou, já foi há muito tempo, mas foram momentos vividos sempre com o máximo de intensidade.
Os jogos, os resultados e os golos eram importantes, mas importante mesmo era o que era vivido fora das 4 linhas.
Os torneios em França são uma página virada há muito, mas é também uma página que eu leio vezes sem conta, sozinho e em silêncio.
Quem lá foi entende bem do que falo.

2 comentários:

  1. eu entendo bem isso meu camarada.
    momentos vividos , jamais esquecidos :D

    um abraço
    PALMEIRA

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  2. Que saudades....velhos tempos....onde tudo era visto de uma perspectiva muito diferente...obrigado por me relembrares bons momentos...abraço,
    Pio

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